quarta-feira, 16 de junho de 2010

DIALÉTICA

A lancha, com mais de quarenta pés de comprimento, novinha, reluzente, desliza sobre as águas tranquilas da enseada do Sítio Forte, na Ilha Grande, em Angra dos Reis. O ronco de dois potentes motores, embora abafado, anuncia a chegada de algum "mala cheia", poderoso, curtindo as delícias da vida. À vista, na embarcação, no momento, somente um homem de pele queimada, com roupa característica de marinheiro. Não se via mais ninguém.
Quando a embarcação atingiu um certo ponto dentro da enseada, diminuindo a velocidade, ouviu-se o ruído típico de corrente sendo movimentada na proa; largara-se ferro, ou seja, uma âncora houvera sido lançada para fundear.
Motores desligados, nenhum ruído extra se ouvia, somente os sons próprios da exuberante natureza do local. Além disso, a leve brisa que soprava, aquecida pelo sol da tarde, contribuía para tornar agradabilíssima aquela tarde de sábado outonal. Época do ano em que veranistas rareiam por ali.
E naquele ambiente de repleto de paz, emoldurado pela beleza natural do lugar, surge na popa da lancha, vindo do seu interior,com uma taça de vinho na mão, acompanhado de uma mulher vestindo maiô, um homem de meia idade, vestindo bermuda e camisa,de pele branca, um pouco avermelhada pelo sol.
Ouvem-se então risos, vozes em alvoroço e cantorias. Mais pessoas vindas do interior da lancha aparecem. Pulam, dançam e cantam. Ato contínuo, alguns mergulham naquelas verdes águas. Os que permanecem na lancha gargalham, fazem troça e bebem dos seus copos. É, sem dúvida, um dia de festa para aquelas pessoas; estão desfrutando a vida.
Súbito, o homem de meia idade, gesticulando teatralmente, grita a plenos pulmões: "Aí! burguesada, pensou que só vocês podiam?" E, batendo a mão no peito, arrematou: "nós, os proletários, também chegamos aqui!". E, em seguida, dirigindo-se às pessoas que o acompanhavam, perguntou: "Quem, afinal, venceu a revolução de 64?"